Nascido em 1951, Francisco Rosado, mais conhecido por Xico Tarefa, destaca-se como um dos mais consagrados oleiros do Redondo. Ao longo das últimas décadas, tem vindo a construir uma linha estética única, amplamente reconhecida, baseada maioritariamente nos motivos e cores tradicionais da região. Hospitaleiro, generoso e um bom contador de histórias, a longa conversa que mantivemos desdobrou-se em múltiplos assuntos, desde as modificações ocorridas na olaria do Redondo ao longo do século XX, até aos constrangimentos legais a que os oleiros têm estado sujeitos. A sua dedicação à olaria transparece no entusiasmo com que conversa sobre o assunto, mas também na convicção de que um mestre oleiro tem de abraçar a humildade e estar predisposto a uma aprendizagem constante.
Esta entrevista foi realizada em Agosto de 2020 no espaço onde trabalha e vende as suas peças, a “Olaria XT”.
De onde vem o nome Tarefa?
Vem do ofício do oleiro. Sempre tive assim uma certa apetência por este ofício. Redondo era uma terra de olarias, tinha quarenta e tal olarias.
Quando?
Aqui há cinquenta anos, mais ou menos. Mas não eram só as olarias… Havia casas onde as pessoas viviam, trabalhavam, criavam os filhos e onde faziam louça também. Mas não coziam lá a louça. Cozer a louça implicava ter um espaço muito maior para guardar as lenhas, etc., etc. Então, coziam em fornos comunitários. O indivíduo do forno também não sabia fazer louça, tinha a função só de cozer. Depois havia as partilhas: não havia dinheiro, então, por cada três peças, era uma para o do forno e as outras para quem fazia.
Existe ainda algum forno comunitário?
Já não. Foram destruídos por influência da ASAE. Temos que dizer isto: a ASAE contribuiu um bocado para dar uma machadada na nossa cultura popular aqui do Redondo. A ASAE – na altura podia ter outro nome – já atuava um pouco antes de a gente estar na CEE. E depois, a partir daí, começámos a ser mandados pelos estrangeiros e tínhamos que fazer o que os estrangeiros diziam – no aspeto dos fornos tradicionais, mas também dos vidrados e essas coisas. Impediram as fábricas de fabricar vidrados com teor de chumbo, quer isto dizer que os vidrados hoje não podem cozer em forno de lenha. Ou seja, implicitamente, ao não permitirem os vidrados em fornos tradicionais, é como nos estarem a matar. Mas ainda há alguns resistentes que foram mantendo os fornos. Ainda há aí uns fornos tradicionais.
E ao nível das técnicas? Ainda todos trabalham na roda?
Aqui no Redondo, felizmente, sim.
Havia casas onde as pessoas viviam, trabalhavam, criavam os filhos e faziam louça também...
Vou voltar um bocadinho atrás, ao seu percurso. Quando começou a trabalhar no barro?
A sério, a aprender, foi com 13 anos. Havia muitas olarias e eu vivia quase dentro de uma olaria e por ali me ia entretendo. Aqueles mestres mais simpáticos e melhorzinhos sempre me deixaram mexer um bocadinho e entreter-me por lá. Aqueles mais ásperos e mais brutos sacudiam-me de lá. Naquela altura, para se ter um ofício, a única saída era a olaria, porque para se ir para carpinteiro, serralheiro ou mecânico ou eletricista, tinha que se pagar para aprender. E na olaria não se pagava, mas também não se recebia.
Onde começou?
Foi na olaria do mestre Ezequiel Campainhas, um grande mestre. Eu do meu mestre aprendi tudo. Eu saí dali mestre ao fim de quatro anos, mas era das poucas pessoas além dele que sabia de tudo. Ali naquela loja fazia-se tudo: desde o cântaro para a água e a panela para o jantar, às canalizações para aproveitamento das águas fluviais e as canalizações dos esgotos das águas pluviais, sifões, manilhas, curvas, etc., etc... Ali é que eu passei os meus primeiros quatro anos do ofício. Era assim: nos primeiros meses, a gente não recebia nada. Depois começava a receber quinze tostões por dia, que era a matiné de cinema. Eu gostava muito de cinema… e gosto. Depois passava a sete e quinhentos, depois a dez escudos, depois a vinte, depois a vinte e cinco. À medida que a gente ia evoluindo no ofício, éramos aumentados, mas a gente trabalhava muito. Era das nove ao meio dia e da uma e pico até às oito da tarde. Depois é que eu ia jogar à bola… E à noite, nos serões de inverno, tinha lá sempre um mestre na oficina. E eu, para aprender mais, ficava lá com eles a fazer-lhes companhia. Enquanto que no horário de trabalho normal eu tinha que fazer aquilo que o meu mestre queria que eu fizesse, fora do horário eu fazia aquilo que eu queria. Daí também a razão porque eu cresci no ofício muito rapidamente, foi a minha grande força de vontade e o gosto pelo ofício.
Com que idade saiu dessa oficina?
Tinha 17 anos. E já era mestre. Depois vim aqui para a olaria do Neves. Tenho que dizer que eu era o aprendiz mais requisitado na altura, toda a gente me queria para trabalhar. Mas eu sabia e tinha consciência que, mesmo se me oferecessem mais dinheiro, se eu abalasse dali, que parava um bocado o meu avanço no ofício do oleiro. E também tinha a certeza de que o dinheiro que eu estava a perder agora que o iria ganhar mais tarde. Aquilo era assim: a gente tem um manancial de coisas no ofício do oleiro, da peça mais pequena à peça maior. A gente ganhava em função do tamanho e da dimensão da peça, do que a pessoa sabia fazer, da habilitação que tinha. Conforme as competências, conforme se ganhava. Até porque a gente era tarefeiro, trabalhávamos à peça. Tínhamos as nossas contas muito claras.
Era assim...
Em todas as olarias pagavam o mesmo?
Em todas as olarias pagavam bem aos bons, médio aos médios e mal aos oleiros de meia tigela. No meu mestre, ganhava 125 escudos por semana, e quando mudei para aqui passei a ganhar 250. Estava a ser muito mal pago… Depois vim para aqui e só trabalhei em duas oficinas, contrariamente a muitos oleiros que andavam aí aos saltinhos como os pardais. Depois fui para a tropa e fui para Angola para a guerra, vim de lá com 22 anos. Depois disse: “Se isto não melhora…”. A gente não tinha férias, não tinha subsídio de férias, eu era o único que tinha caixa [segurança social] entre os oleiros. Eu era um gaiato ao pé daqueles homens, mas pagavam-me a caixa toda. Eu estava mortinho para ir para Alemanha nessa altura, se houvesse um indivíduo que me tivesse dado a mão, eu tinha ido. Mas depois fiquei no Redondo. A Câmara abriu concursos e eu fui para cantoneiro.
E deixou o barro?
Deixei o barro mas sempre estive ligado a ele. Ia trabalhar ali nos fins de semana. À do Flosa e aqui, eles pagavam-me muito bem. Isso durou aí uns sete ou oito anos. Depois trabalhei aqui na Oficina da Criança, que é da Câmara, como monitor. Agora é Centro Lúdico. Eu ia trabalhar para lá com a função de ensinar às crianças as primeiras técnicas. Ainda não se conhecia o que era um OTL [Ocupação de Tempos Livres] e já isso existia aqui no Redondo!
O objetivo era ensinar as crianças a trabalhar no barro?
A ganhar apetência e a entretê-las, principalmente os mais desprotegidos. Aquilo era um centro de ocupação e era tudo livre. Tínhamos cartonagem, olaria, pintura, e eles circulavam por onde queriam, podiam começar uma peça e não acabar. Era uma forma de entreter as crianças enquanto os pais estavam a trabalhar. Convém dizer aqui uma coisa que é muito importante: eu fui para lá também com o objetivo de recuperar a olaria do Redondo, que a olaria do Redondo entrou em decadência nos anos 1970, 1968… Entrou outra mais colorida, aquela com pintura cerâmica. Apareceram motivos do Alentejo, mas nunca aquilo de cariz popular, está a perceber? Era já um desenho mais trabalhado.
Mas foi aqui no Redondo que começou?
Aqui é que se começou com as tintas cerâmicas, e depois São Pedro do Corval copiou, e depois começaram todos a copiar uns pelos outros e a olaria tradicional recuou, aquela que tem o traço popular. As cores tradicionais são o amarelo, o vermelho e o verde.
Em todas as olarias pagavam bem aos bons...
O que caracteriza o barro do Redondo em relação a outras tradições oleiras de Portugal?
Para já, a sua textura. Tem uma textura que lhe dá um ar de velho extraordinário. Só que a gente não tem condições para trabalhar neste momento para adaptar aquele barro a novas realidades. Onde existe o barro bom, estão lá vinhas plantadas. E onde existe quantidade de barro, as lavouras são fundas e por isso contaminam os barros. Quando se retira o barro aparecem umas pedras, uma mica, que a gente chama ouro. Aquilo é como o calcário, que, se estiver no meio do barro, estoura. Lá para cima para o norte, Leiria e essas zonas, têm o problema do calcário no barro, e nós aqui temos o problema dessa mica, que chamamos ouro. Esse barro é bom para fazer louça tosca, bujardada, porque se formos fazer louça decorada, aquilo é um perigo, não pode ser.
Onde vai buscar o barro, então?
Eu compro ali de Mafra e compro ali dos espanhóis, infelizmente, que são barros já trabalhados industrialmente.
Mas é verdade que vocês podem ir buscar o barro em alguns terrenos daqui, certo?
É verdade, mas é bom esclarecer isso. Para já, antes os terrenos eram lavrados com uma fundura de um palmo, um palmo e meio, e agora é com um metro, um metro e tal, é o formato do trator. Eram três herdades muito grandes onde se ia buscar barro: Valongo, Azinhalinho e Vale d’Anta. Era um homem que o ia buscar num carro de besta ou em burros e chegava ali ao telheiro, que era um espaço aberto onde se fabricava telha e tijolo, e onde estavam os tanques de decantação do barro, onde se retiravam as raízes e as pedras, onde era peneirado. Isso era feito por outro. Atenção: um ia buscar e o outro preparava. E só depois é que ia ter à bancada do oleiro. Agora, repare, o oleiro a fazer isto tudo, não pode ser, a gente não ganhava para comer!
Essas duas pessoas serviam todos os oleiros?
Havia aí três homens só a carregar barro. Desapareceram porque começaram a aparecer os barros industriais. Depois começou a haver as lavouras fundas e os barros todos contaminados. E depois a outra razão muito importante: é que esse trabalho do ir buscar e depois coar, são dois trabalhos muito violentos. E hoje as pessoas ganham dinheiro sem trabalhar… Como é que hão de fazer um trabalho daqueles? Não fazem. Dantes as pessoas tinham que se agarrar ao que aparecia, para terem trabalho e para ganhar algum dinheiro para comer. Agora não precisam.
Só depois é que ia ter à bancada do oleiro...
Uma das características do barro do Redondo é, então, a sua qualidade. E que mais?
A utilidade. É um barro refratário, muito refratário… Falando dos contentores de água, os cântaros e os barris: o barro, se não respirar, não faz a água fresca, faz a água mole, sabia? E o nosso barro verte nos primeiros meses, até os depósitos que andam no ar taparem alguns poros do cântaro e depois ele deixa de verter. Quando recebe as primeiras águas ele verte e, quando verte, o barro respira. Então, primeiro, tem que se encharcar em água, ele bebe-a, e depois começa a deitar. Aquelas primeiras águas que de lá caem, até dá prazer uma pessoa beber água daquilo. E depois as pessoas dizem: “Ah, isso está roto!”. Não está roto, é assim. Esse é o cântaro da água fresca. Depois passamos para a outra parte utilitária, que é a parte da louça que vai ao lume de chão. Faziam-se milhares e milhares de panelas. Também o modo de vida e o mundo globalizado contribuiu para aniquilar isto. Você leva uma garrafa de plástico ao frigorífico, em lugar de levar um barril de água. Agora já não se cozinha no chão. Antes uma pessoa tinha a chaminé e à volta da chaminé havia águas: umas para fazer a comida e outras para aquecer a água – não havia esquentadores, não havia gás, não havia nada. Todas essas coisas contribuíram… E não só! Também os transportes rodoviários. Antes as pessoas tinham que se deslocar dez, quinze quilómetros a pé – a pé! E levavam um saco com as coisas dentro e um avio para a semana e a respetiva panela para fazer lá a comida. Dantes os campos estavam todos cultivados e davam muito trabalho. O Alentejo era essencialmente rural. Cada pessoa, uma panela, está a ver? Faziam-se milhares de panelas no inverno. Hoje não há escoamento para essas coisas, porque essas coisas acabaram todas. O mundo globalizante é que acabou com isto tudo.
Agora restam essencialmente peças decorativas, não é?
A maior parte do que eu faço é decorativo. E as pessoas dizem-me assim: “São bonitas, mas eu gosto de comer nelas”.
Elas dão para utilizar, certo?
Dão, então agora com os vidrados como são... Antes é que os vidrados eram só à base de óxido de chumbo.
Que foi proibido entretanto.
Sim, foram reduzindo, até que hoje é quase zero. E isso contribuiu muito para acabarem com a olaria popular, principalmente aquela que trabalhava com vidrados. Porque a olaria popular toda ela… se você for ver a Rosa Ramalho, todo o vidro é à base de óxido de chumbo, aquele amarelo, que dá aquele brilho. Só que, pronto, dizem eles que aquilo é decorativo e não é utilitário.
Mas então o que considera olaria popular?
O que eu considero olaria popular… é aquela olaria que não se deixou contaminar com modernices que às vezes não ajudam em nada. Defendo que devemos ter aquele cariz popular, evoluir mas não estragar. Estar sempre ali patente as tais formas ancestrais, as tais formas antigas sem as deturpar, e ter sempre lá um bocadinho que nos faça recuar no tempo uns anos. Se não for o desenho, que seja a cor. Se não for a cor, que seja o traço. Se não for o traço… deve lá ter qualquer coisa. Quando lhe retiram tudo, então aí… É como esses oleiros hoje de meia tigela, que vão fazer um curso de nove meses e depois põem as peças no facebook. E dizem: “ah, estás uma artista!” De meia tigela! [risos]. Esta gente não tem humildade, que é ainda o pior de tudo, não tem humildade. Esta gente começou a subir agora outra vez o degrau. Eu vou praticando, praticando, e vou procurando saber com quem sabe mais do que eu.
Faziam-se milhares de panelas no inverno...
Como estão a correr as suas vendas agora com a situação do coronavírus?
Eu não gosto de chorar como os outros, mas é evidente que eu vejo isto com uma certa apreensão. Se não fosse a minha clientela… porque sou já um bocado conhecido.
Quem é que compra as suas peças normalmente?
A mim, a classe média alta.
Portugueses ou estrangeiros?
Estrangeiros também, mas eu não me governo com os estrangeiros. Nem quero exportação, nem quero online. Venham-me cá comprar. Não estou preparado para isso.
Tem algum ajudante?
Tenho uma colaboradora e tenho a minha mulher, que está dedicada à pintura tradicional. Pinta quando eu não posso ou quando ela tem vagar. Mas o risco é sempre meu. Os bordados de Viana, de Castelo Branco, e dos lenços dos namorados, quem risca isso tudo sou eu. Quem fez o apanhado dessas coisas fui eu. Sabe, a gente aqui no Alentejo às vezes quando não temos cão, temos que caçar com o gato. E eu vendo aquilo bem, mas aquilo não tem nada a ver com a olaria tradicional. Mas você não vê aqui pratos com tintas Robbialac. Vê aqui pratos pintados com tinta cerâmica, mas com motivos aqui da minha terra: esteva, que é da Serra d’Ossa, alecrim, da Serra d’Ossa, papoila, aqui dos nossos campos, e as espigas. Os motivos são centrados aí. E depois é a paisagem alentejana.
Tem algum seguidor?
Na olaria não, no figurado tenho o meu filho Luís, que é já um grande mestre no figurado.
Sabe, a gente aqui no Alentejo...
Como foi a evolução da olaria do Redondo?
O Redondo tinha tantos oleiros que eles começaram a espalhar-se aqui pelo Norte alentejano, para Arronches, e depois aqui no Alentejo Central, muitos indivíduos para Brota e assim, foram para lá trabalhar e ensinavam os indivíduos de lá. Quem foi ensinar os indivíduos de São Pedro do Corval a trabalhar em vidrados e a fazer louça utilitária foram os indivíduos do Redondo. Depois nas vendas… com os burritos eles chegavam aos limites dos concelhos vizinhos. Os burros comiam nas casas dos lavradores, e eles comiam nas casas dos lavradores também. Eles respeitavam-se muito, cada um tinha o seu concelho. Depois as coisas começaram a evoluir e começaram a aparecer carros de aluguer. Então, eles levavam uma carrada de louça e pagavam o aluguer para determinado sítio, por exemplo, Portalegre. Alugavam um casão na estação de Portalegre, chegavam lá e descarregavam a louça. E, quando os transportes evoluíram ainda mais, começaram a ir para Lisboa, para Castelo Branco… e aí é que se dá a explosão, aí é que se começa a ganhar bom dinheiro na olaria. Houve aí uns cinco ou seis anos, ou sete, em que um oleiro, se quisesse trabalhar em três lojas no mesmo dia, podia trabalhar. Saltava de uma para a outra sempre a ganhar mais.
Em que altura foi isso?
Ora deixe lá ver… Até aí aos meus 17, 18 anos… até aos anos 70, talvez.
Mas então até à década de 1970 foi sempre a crescer?
Não necessariamente. No final não era mau, mas já estava a decair.
E depois, nas décadas seguintes?
Ah isso então!… Quando aparecem as modernices é que acabaram com a olaria popular.
Que modernices?
Aquilo que eu lhe disse há bocado, de a ASAE não querer isto, de não querer aquilo… as modernices da treta que não serviram de nada. Porque eu digo-lhe assim: nós só somos perentórios para aquilo que não devemos ser. Ali na Feira de Estremoz, parece que eles fazem perseguição aos artesãos! E não é só a ASAE, são os governantes que a gente tem. Eles chegam a fazer descarregar carros a colegas meus para contarem as coisas. Não somos olhados como devíamos ser. Se bem que… têm-me ajudado, não digo que não me têm ajudado. Eu tenho ido fazer a FIA, mas não vou pagar 2000€ para ir fazer a FIA. Não vou, porque eu não faço aquele dinheiro. E, se fizesse, era para dar-lhe a eles? Então vou trabalhar para o boneco?! Dão-me o espaço.
O Redondo tinha tantos oleiros...
Qual acha que vai ser o futuro da olaria do Redondo?
Digo-lhe já, perentoriamente, que se não lhe acudirem dentro destes três anos, a olaria do Redondo daqui a seis anos ou sete desaparece, e a popular nem se fala nela. Da popular, o único resistente sou eu.
O que acha que poderia ser feito?
Acho que era irem à escolas. Os gaiatos hoje… é difícil lidar com as crianças. Há os cursos profissionais, mas hoje eles querem é computadores e essas coisas. Mas lá havia de aparecer alguns que quisessem ir para a olaria. Mas iam para a olaria com orientação técnica dos mestres oleiros.
O Instituto de Emprego tentou fazer aqui uma formação para formar novos oleiros. O que achou disso?
Valia mais darem-lhes o dinheiro para ficarem em casa. Enquanto o processo for orientado dessa maneira, não resulta. E, além disso, um curso de oleiro não se dá em nove meses. Ninguém sabe fazer louça quando acaba o curso, mas sabem todos mexer nisto [telemóvel]! E depois há outra coisa muito importante que, se você não aborda, abordo eu: os formandos para um curso de olaria têm que ser escolhidos. Eu dei vários cursos, um deles no Crato. A maior parte das pessoas tinha quarenta, cinquenta e tal anos… eram da reinserção social. É preciso ser-se formando de corpo e alma, para as olarias. A parte técnica tem que ser feita única e exclusivamente pelo mestre oleiro, e este não tem nada, nada, a ver nem com segurança social, nem com seguros, nem com higiene e segurança no trabalho. Essas coisas todas compete ou ao centro de emprego, ou à escola, ou a quem os mandasse para a oficina. Porque o mestre da olaria já tem o tempo destinado para lhe poder ensinar e transmitir os seus saberes, já lhe chega bem a contribuição dele. O dinheiro não abunda, e eu ainda não vi nenhum artesão rico.
A olaria do Redondo daqui a seis anos ou sete desaparece...
Considera-se um artesão ou um artista popular?
Não posso ser as duas coisas?
Pode, claro! [risos]
Artista popular? O nome de artista nunca me soou bem, eu quero ser artesão. Mas não quero estar desligado da arte popular. Artesão da arte popular. Não quero ser artista. Pelo contrário, alguns indivíduos que eu conheço é que não querem ser artesãos, são aqueles oleiros da treta, querem ser artistas! [risos] Isto no ofício de oleiro há muitos. Quando eles começam a levantar barro e a querer fazer uma peça maior… Levantar barro é já caminhar pelos últimos degraus da escada da aprendizagem. Quanto mais eles o mexem, mais ele se entorta. Quanto mais eles o querem levantar, mais ele se agacha. Até que há uma altura em que a pessoa que está a trabalhar diz: “já não sou capaz de fazer mais isto”. Então, a artista ou o artista dá um soco daqui, outro soco do outro lado. E, como eles hoje dominam muito bem os vidrados coloridos e o ciclo do fogo, metem ali uns vidrados coloridos bem metidos, com umas nuances, e têm ali uma peça artística. “Isto é uma peça artística, é uma peça única”. Mas é uma grande… treta. [risos] Aquilo não é uma peça. nem é nada. Seria uma peça, se ele a tivesse acabado, só que ele não a conseguiu fazer.
O nome de artista nunca me soou bem...
Uma última pergunta: de onde vem o título de mestre dentro de uma olaria?
Começo por lhe dizer que a gente está a aprender todos os dias. Ponto assente. Estamos sempre a aprender. Os meus amigos no facebook são ucranianos, são gregos, chineses, turcos, de toda a parte do mundo… E eu pensava que até mexia muito bem na olaria, mas hoje vejo que há grandes artesãos, há grandes oleiros! E eu posso estar ao pé deles, mas nunca melhor. Como se classificavam: o oleiro do Redondo tinha que fazer da peça mais pequenina à peça maior. Mas, atenção, isso não implica que seja um grande mestre. Um bom mestre é aquele que faz a peça pequena perfeitinha e a peça grande perfeitinha também. Se fizer uma peça aos trambolhões, é um mestre da treta. Agora, aquele mestre que faz uma tarefa para 200 litros e ela sai toda ali certinha e direitinha!… Há o mestre da treta, há o pequeno, o médio e o grande mestre, e ainda assim o grande ainda está a aprender com outros mestres. Agora, se você perguntar aí aos oleiros do Redondo e aos oleiros de São Pedro do Corval, noventa por cento não se preocupa com isso e, ao não se preocuparem, é porque não gostam do que fazem. Têm isto só como um trabalho, e eu não tenho isto só como um trabalho, tenho isto como um prazer. É evidente que sai daqui o meu ganha pão, mas tenho isto como um prazer. Dá-me gozo. Então quando crio coisas novas… ainda mais gozo me dá. Fiz-me entender? Isto de ser-se mestre tem muito que se lhe diga. Bons mestres são os chineses. Eles adoram o mestre quando o mestre está quase a morrer. E depois temos a outra parte, a obediência, a educação, o chinês é um indivíduo assim por natureza. Para mim, é um povo muito inteligente, é extraordinário. Gosto muito também da olaria turca, aqui os marroquinos são muito bons também. Eles é que têm jeito, aqueles é que vão ter futuro. Eles veem aquilo como uma necessidade e metem os filhos e a família toda a trabalhar. Com os filhos é mais fácil. Como é que eu posso pagar um ordenado mínimo a uma pessoa? Nunca, jamais! Eu comparo o ofício de oleiro a uma andorinha quando tem os filhotes: eles nascem e só saem do ninho quando souberem voar.
A gente está a aprender todos os dias...